Eleições e populismo no Brasil: novas perspectivas e desafios à democracia constitucional

O sistema constitucional brasileiro, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, entendeu por bem inserir um processo eleitoral, em âmbito nacional, que ao mesmo tempo em que leva o povo a escolher uma chapa para Presidente e Vice-Presidente da República, também o faz a respeito de Governadores de Estados-membros, deputados estaduais, federais, distritais (Distrito Federal) e Senadores.
Naquele primeiro momento, os mandatos presidenciais tinham a duração de 5 anos, sem a possibilidade de reeleição, conforme art. 82 da Constituição originária.  Posteriormente, com a Emenda de Revisão nº 5/1994, o tempo do mandato presidencial diminuiu para 4 anos e, a partir da Emenda Constitucional 16/1997, admitiu-se uma reeleição para um período subsequente. Com isso, fez-se uma profunda alteração no projeto político até então existente, que percebia os riscos do instituto da reeleição em um sistema de governo presidencialista marcado por personalismos acentuados.
Essa mudança acabou por aprofundar características nocivas do presidencialismo brasileiro, fazendo com que a reeleição para os cargos de Chefe do Poder Executivo se tornasse a regra no sistema político. Tanto é assim que 3 em cada 4 Governadores de Estado se reelegeram quando candidatos a um mandato subsequente e, no caso dos Presidentes da República, todos, até o momento, obtiveram êxito.
Esse processo, no presente momento, superado o primeiro turno da eleição de 2022, pode ter o seu primeiro revés. Isso porque o Presidente Jair Bolsonaro, apesar de ter sido habilitado a disputar o segundo turno, teve menos votos que o Ex-Presidente Lula da Silva. Algumas perguntas ainda estão pendentes, mas saber as razões desta ocorrência é algo que merece atenção.
Bolsonaro é um dos atuais presidentes latino-americanos que, ao lado de Andrés Manuel Lopez Obrados, Nayb Bukele, Daniel Ortega e Nicolás Maduro, fez do modo populista de fazer política o seu meio de exercer o mandato. Para isto, fez dos seus adversários inimigos, inclusive sugerindo o uso de violência e a sua morte; afrontou a liberdade de imprensa; a liberdade de expressão; capturou instâncias importantes de controle, como a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União, retirando a sua autonomia com a nomeação de aliados; usou as redes sociais para divulgar fake news; execrou a luta de minorias por direitos, como os negros, mulheres, LGBTQIA+, indígenas, dentre outros; usou da proximidade com as Forças Armadas para afrontar os Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral; usou de ferramentas assistencialistas, em ano de eleição e contra a lei vigente para angariar votos, dentre outras ações que contrariam o que se entende por Estado Democrático de Direito.
Além disso, usa do recurso a ideia de um povo homogêneo, formado por “cristãos” norteados por valores ocidentais, além de demonizar uma elite política que estaria a lutar contra o interesse deste povo verdadeiro. O tempo mostrou que se tratava, em grande parte, de uma narrativa própria dos populistas lutando por se manter no poder quando, com o decorrer dos anos, limitou seus inimigos ao espectro da esquerda, tendo em vista que o que afirmou sobre os partidos políticos e políticos tradicionais também de direita caiu por terra quanto estes atores acabaram por formar a sua base de apoio em mais da metade do seu mandato.
Neste processo, depois de ameaçar romper com a frágil democracia em consolidação no Brasil, blefou nos últimos dois anos com golpes de Estado com o apoio das Forças Armadas, especialmente na proximidade das comemorações do Dia da Independência (07 de setembro), o que ocorreu em 2021 e 2022, fazendo uso seguido de desinformação como estratégia política recorrente.
Contra o atual incumbente, encontra-se Lula da Silva, um ex-presidente que exerceu dois mandatos presidenciais e que, quando deixou o Poder, encontrava-se com uma popularidade acima dos 80%, tendo, mediante programas sociais variados, sido um referente no campo da proteção da redução da pobreza e da fome, mas que, alguns anos depois, sofreu uma condenação criminal. Tal condenação, que o obrigou a algo próximo de 500 dias de prisão, acabou sendo anulada pelo Supremo Tribunal Federal, tal como mais de uma vintena de processos, por violação ao devido processo legal, em claro uso do Lawfare como meio judicial praticado pela conhecida Operação Lava Jato.
Terminado o primeiro turno, em 2 de outubro, Lula da Silva esteve muito próximo de ser eleito, em função de ter obtido 48,4% dos votos válidos, contra 43,2% de Bolsonaro, o que representa uma diferença de aproximadamente 6 milhões de votos.
O quadro político-eleitoral para as próximas semanas é de extrema tensão, tendo em vista que o recurso ao uso da violência, por seus apoiadores, tem sido constante, inclusive com a morte de “inimigos” políticos por parte de seus apoiadores.
Neste momento, em que se formam alianças para o segundo turno da eleições, o atual presidente, em desvantagem numérica, tem recebido apoio de políticos da direita moderada e extremista, enquanto o ex-presidente Lula acaba de receber o apoio tanto do terceiro quanto da quarta colocada na votação de 2 de outubro.
A tensão é alta, como nunca visto antes desde a redemocratização e das primeiras eleições presidenciais, em 1989, e os brasileiros se encontram na expectativa de um resultado que, caso seja desfavorável a Bolsonaro,  não se sabe será aceito. Isso se deve às seguidas manifestações por parte do Presidente e seus apoiadores contra a lisura do processo eleitoral, em uma clara inspiração no ocorrido nos Estados Unidos, com Donald Trump, um político que admira.
O resultado das eleições, no que diz respeito aos Estados-membros e aos cargos então em escrutínio tanto nos Parlamentos estaduais, quanto no Congresso Nacional, mostram que, apesar de serem altas as chances de Bolsonaro perder a eleição em 30 de outubro, o bolsonarismo, enquanto movimento político, se fortaleceu e estendeu seus tentáculos, dado que aliados do atual presidente tiveram muito sucesso nessas eleições. Significa, na verdade, que este modo populista de fazer política, recorrente na América Latina, tem, atualmente, um espaço cada vez mais presente na política brasileira e, no espectro da direita, tem anulado avanços da direita moderada e democrática em prol da extrema-direita e seus meios de angariar engajamento constante.
Trata-se, a nosso ver, de um movimento que deve avançar, ainda mais, em um país em que a democracia nunca pode, com segurança, se definir como consolidada, é dizer, não se trata de uma crise da democracia constitucional ou liberal, como ocorre em alguns países do noroeste global, mas da sempre existente dificuldade de consolidar o Estado Democrático de Direito na América Latina, constantemente em risco por decorrência deste modo de fazer política que, independentemente de ideologias, corrói as instituições e aprofunda a distensão social e seus elos de solidariedade.